Com a queda de Assad na Síria, cristãos enfrentam ‘futuro incerto e perigoso’
- 09/12/2024
O líder rebelde do grupo que derrubou o ditador da dinastia familiar Bashar al-Assad fez sua primeira declaração pública de dentro da Mesquita dos Omíadas, em Damasco, a capital do país.
Após a tomada da capital síria, Abu Mohammed al-Jawlani, líder da Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham ou HTS), foi recebido na histórica Mesquita dos Omíadas por uma multidão que exclamava "Allahu akbar" (Deus é grande).
Considerado membro de uma organização terrorista, al-Jawlani é procurado com uma recompensa de US$ 10 milhões por sua captura.
No domingo (08), a histórica Mesquita dos Omíadas, o quarto lugar mais sagrado para os muçulmanos, serviu como palco para a celebração da queda de Assad, simbolizando a transição de poder na Síria.
Mesquita dos Omíadas, o quarto lugar mais sagrado para os muçulmanos. (Foto: Wikipedia)
Durante seu discurso, al-Jawlani declarou que a Síria está "livre" do regime de Bashar al-Assad e destacou a importância da diversidade religiosa no país.
No entanto, o líder do grupo insurgente também afirmou que “esta vitória, meus irmãos, é uma vitória para toda a nação islâmica”.
Regime teocrático
Segundo analistas e estudiosos do Oriente Médio, as declarações de al-Jawlani indicam uma grande possibilidade de a Síria passar a ser governada por um regime teocrático.
Isso pode significar que as minorias religiosas, incluindo os cristãos, enfrentariam um futuro incerto e perigoso sob o controle das forças rebeldes lideradas por islâmicos.
Mesmo com a população cristã minoritária da cidade, significativamente reduzida após anos de guerra civil, persiste o medo de ameaças e restrições crescentes.
Grupo terrorista
Há cerca de uma semana, as forças rebeldes islâmicas, lideradas por Hay'at Tahrir al-Sham, que é designada como uma organização terrorista pelos EUA e Reino Unido, tomaram Alepo.
Em seguida, tomaram outras cidades, como Homs, e a capital, Damasco, no final da noite de sábado, em uma ofensiva abrangente que derrubou as forças do governo sírio.
Após 24 anos no poder, o presidente sírio Bashar al-Assad renunciou e deixou o país com sua família em um voo para a Rússia na noite de sábado, onde se encontra exilado sob a proteção de Vladimir Putin.
Desde que o grupo terrorista HTS assumiu o poder em Alepo, muitos cristãos fugiram, deixando para trás um grupo pequeno, mas decidido, tentando manter sua fé e tradições.
“Os próximos dias e semanas serão cruciais para o destino da comunidade cristã”, disse Jeff King, presidente da International Christian Concern, em uma declaração ao The Christian Post.
“Os cristãos, com raízes que remontam a quase dois milênios, agora enfrentam um futuro incerto e perigoso.”
A Portas Abertas compartilha da mesma opinião: “Comunidades minoritárias, incluindo cristãos, estão se preparando para um futuro incerto. Precisamos orar por nossos irmãos e irmãs pedindo que Deus lhes dê força e coragem”.
Dificuldades
Segundo a Catholic News Agency (CNA), a escassez de pão se agravou, e a água potável continua indisponível em diversas regiões. A agência destaca que essas são apenas algumas das dificuldades enfrentadas pelos moradores.
Os toques de recolher impostos pelo grupo militante, das 17h às 5h, restringem ainda mais a vida cotidiana, deixando muitos moradores, incluindo cristãos, se sentindo confinados e vulneráveis.
Pequenas vans que distribuem pão e água gratuitamente em alguns bairros proporcionam um alívio limitado.
De acordo com a CNA, uma rodovia importante entre Damasco e Alepo também foi bloqueada, deixando os moradores com apenas uma rota alternativa congestionada e perigosa.
O isolamento resultou em várias mortes, incluindo a do Dr. Arwant Arslanian, um médico cristão que foi fatalmente atingido por tiros enquanto tentava fugir da cidade, informou a página do Facebook dos Armênios da Síria.
Um ônibus que transportava jovens cristãos também ficou preso na estrada de Alepo, encontrando abrigo posteriormente na Arquidiocese Ortodoxa Siríaca.
Vários líderes cristãos permaneceram na cidade, oferecendo orientação espiritual e apoio prático às suas comunidades.
Eles se comunicam por meio das mídias sociais, onde realizaram os serviços e orações. Os líderes estão encorajando os moradores cristãos a encarar a realidade com consciência, coragem e fé, segundo relatos.
Proteção a cristãos é duvidosa
A facção islâmica HTS, que é um desdobramento da Al-Qaeda, prometeu proteger os civis, incluindo os cristãos.
Conforme relatado pelo Al-Monitor, em Alepo, o líder al-Jawlani teria declarado:
"Alepo sempre foi um ponto de encontro para civilizações e culturas, e continuará sendo, com uma longa história de diversidade cultural e religiosa".
Apesar das garantias, os temores continuam entre os cerca de 30.000 cristãos de Alepo, uma diminuição em relação aos centenas de milhares que habitavam a cidade antes do início do conflito sírio, em 2011.
População cristã caiu drasticamente na Síria, desde 2011. (Foto: Portas Abertas)
O grupo Christian Solidarity International (CSI), com sede na Suíça, reagiu à garantia dada pelo HTS, afirmando: "A ideologia e a história do HTS oferecem às minorias religiosas em Alepo razões sérias para duvidar dessas promessas".
O HTS frequentemente tem como alvo cristãos em toda a Síria, realizando ataques violentos e sequestros, matando esses civis e confiscando suas propriedades, conforme explicou o CSI.
"Na visão de mundo salafista que orienta o HTS, os cristãos não são hereges a serem destruídos (como os alauítas e os drusos), mas sim 'povo do Livro' – seguidores de religiões reveladas antes da vinda do profeta [islâmico] Maomé. Em terras governadas pelo Islã, eles devem ser feitos dhimmis – um povo protegido, que é mantido em subordinação legal e paga um imposto adicional chamado jizya", continuou o CSI.
"Até agora, o HTS tem evitado impor o status de dhimmi aos cristãos em Idlib, referindo-se a eles como musta’min, ou residentes temporários", reconheceu o grupo. "Mas por quanto tempo o HTS manterá essa distinção?", perguntou o CSI.
A comunidade cristã em Alepo historicamente se alinhou ao governo sírio, que, sob a liderança de Bashar al-Assad, um membro da minoria alauíta, foi visto como protetor das minorias.
A ascensão dos rebeldes ao poder marca uma mudança dramática, despertando lembranças de perseguições passadas durante o regime do Estado Islâmico em partes da Síria.
O EI perseguiu sistematicamente os cristãos, destruindo igrejas e realizando sequestros em massa, antes de ser derrotado em 2019.